sábado, outubro 28, 2006

manhã

E por que?

- desculpa te incomodar, mas você pode me arrumar um cigarro desses?
- tudo bem, toma.

Por que? Não era uma farsa. Era sincero, a busca, a alegria, a beleza, toda essa porcaria que a gente chama amor e que nunca sabe nem saberá.

- pô, o que um chato desses tá fazendo aqui, eu to vendo que você não quer ser incomodada, mas você quer conversar?
- não, não, to afim de ficar sozinha.

Por que? Porque eu esperei coisas possíveis, e não tive. Não por sacanagem. Só porque não deu.

- Posso chegar mais perto?
- tudo bem.

Por que? Porque não ter nunca uma tarde de sabado ou domingo para passear junto é triste. Triste mesmo. Não que o amor não vença. É só um problema.

- Eu trabalho ali naquela galeria, sou segurança, e meu patrão tá me tirando, vou dar uma porrada na cara dele.
- é foda

Por que? porque eu queria sim ser convidada pra jantar ou pra cantar no karaoke. Que coisa mais idiota menina bobinha, mas eu queria. Que valha a intenção.

- e sabe, a vida é cheia de bosta mesmo
- é

Por que? Porque me surpreendia a cada momento de paz. Mas isso estava tão raro.

- eu sou sozinho, não tive mãe nem pai, e quer saber? Olha só essa vista, olha esse sol, esse céu
- é

Por que? Porque ontem eu tava feliz. Hoje eu não to mais. Amanhã quem sabe. A minha cabeça tá frita. Esse sol tá matando.

- Olha só, olha só, tem quatro coisas na vida que não voltam atrás: a flecha atirada, a palavra proferida, a oportunidade perdida e o tempo que passou. Não voltam não. A flecha atira e pá! acerta o alvo. Desse jeito não há lenços que enxuguem! Mas chora aí. Chora mesmo.
- ...

Por que? Porque as horas passam. Porque eu aprendi a trepar como mulher. Isso é bom. Você me traiu. Eu também te trai. Fidelidade no fundo é um hipocrisia. Mas respeito não é não. Amizade também não, e isso não se joga fora. Isso não é lixo.

- Levanta a cabeça, mulher.
- ...

Por que? Porque eu não sei. Porque eu cansei. Porque eu não sou qualquer uma, e quando você se dá conta, se arrepende. Acho que é tarde. Eu temo. Eu to triste. Eu não sei.

- Dói né? Eu sei que dói. Mas amanha é outro dia. Cofie na tua força, na tua beleza.
- é.

Por que? Porque esta vista é bonita. Porque eu to virada de pó e quero dormir. Porque esse sol tá me matando mesmo. Eu to fedida e descabelada. Mas não quero ir pra casa. Não quero ver ninguém. Não quero proferir som. Não quero dar explicações.

- olha, me desculpa, mas você pode me arrumar mais um cigarro desses? É que eu não fumo mas to com vontade de fumar.
- não faz mal.
- minha hora de almoço acabou. Força aí, palavra de um lutador. Como é seu nome?
- Malvina
- Prazer Malvina. Se quiser conversar, passa lá naquela galeria. Eu não te te xavecando mesmo, embora você seja linda.
- Falou.
- Até.

Linda vista do vão do Masp. Linda queimadura de sol nas minhas costas.
Por que?
Porque vá tudo ao inferno.