terça-feira, outubro 09, 2007

A menina que eu não beijei

Lá se vão quase dez anos e ainda me lembro dos olhos da menina que eu não beijei. Naquele dia, acordei às três horas da manhã para juntar-me aos peregrinos que iriam assistir ao nascer do sol no alto do Monte Sinai. Estava sozinha, com minha garrafa de água, meu agasalho e meus pensamentos.
Lentamente, entre. grupos de japoneses, dromedários carregando turistas e árabes rápidos de chinelo de dedo, fui subindo aquela montanha que cheirava a história e misticismo. A noite se despedia a cada sopro. Mais alegres que solenes, os caminhantes dividiam memórias e fotografias. Alguns paravam para um chá no singelo barracão fincado no meio da paisagem.
Eu seguia quieta, absorta pelo azul que pouco a pouco substituía o negro no céu, abrindo passagem para as outras matizes. No cume enfim, escolhi minha rocha e sentei-me para esperar o espetáculo. Cada um se acomodava onde podia, juntando-se ao silêncio dos demais.
Do nascer do sol, confesso que me esqueci. Mas não esqueci aquela menina de olhos doces que me ofereceu algumas bolachas. Faminta, acabei comendo o pacote inteiro diante de sua divertida aprovação. Tornamos-nos amigas em cinco minutos. Juntas descemos a montanha, juntas visitamos o monastério ao sopé do Sinai e juntas tomamos o ônibus de volta para a cidade. Juntas, nos apaixonamos. Ela era da Hungria, país que permanece coberto por uma romântica neblina na minha imaginação. Falamos de viagens, sonhos, bolachas, peixes, dinossauros, família... eu já não ouvia o que ela dizia, hipnotizada pelo ritmo da sua voz, pelo movimento do seu corpo, pela maciez das suas mãos. Queria ir embora com ela, nos trancar em um quarto em algum lugar da Hungria e aprender com ela como se ama uma mulher.
Não fiz nada disso... Pior: agi como se não estivesse acontecendo nada e fechei meus olhos para que não pudesse adivinhar o que eles diziam. Quando ela estava deixando a cidade, corri à estação e lhe dei meu e-mail. Ela sorriu e foi embora sem virar a cabeça. Semanas depois recebi um e-mail intitulado “Para a menina que comeu todas as minhas bolachas”. Senti febre ao ler suas palavras e, no afã de responder, confundi as teclas “Reply” e “Delete”. Recém-chegada ao mundo cibernético, na época não sabia que podia voltar atrás na página virtual. E assim, por burrice tecnológica, ou talvez pelo medo de estar diante de algo grandioso demais, a perdi de vez.
Alguns anos depois, passei algumas horas no aeroporto da capital húngara à espera de uma conexão. Ansiosa, olhava para todos os cantos procurando seu rosto. Infelizmente, minha vida não é um filme de Hollywood, portanto ela não apareceu. É doloroso pensar que ela deve achar que eu não quis retornar seu e-mail. Mais doloroso ainda, é que eu nunca mais quis amar outra mulher...

2 Comments:

Blogger Malvinas said...

tenho uma amiga que diz: não gosto de homens ou mulheres, me apaixono pelas pessoas.

2:43 PM  
Blogger Malvinas said...

muito bom!

9:27 PM  

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