sexta-feira, fevereiro 03, 2006

O menino que vem à noite

A noite cai, e ele vem, e é só à noite que eu deixo ele vir, porque é um menino e noso amor é escandaloso; e porque foi no escuro que eu deixei ele pegar, devagarinho, a minha mão nas primeiras vezes; e porque o escuro nos faz esquecer que somos como primos que com vontade se tocam longe dos outros.

O escuro retira meus preconceitos dele, e os sonhos dele sobre mim. O escuro deixa o nosso sentir e só o sentir, e é bom demais. É bom ter um segredo.

Quando estou com ele, fecho os olhos e sinto as mãos pequenas e ásperas de quem mexe nas coisas o tempo todo, de quem vive no meio das plantas e dos bichos. Sinto o cheiro de mato molhado que vem da sua boca, e o aperto forte dos braços fofos que me envolvem tão sabendo o que querem comigo.

Ouço a respiração que é de bicho, é de quem se desespera pelo momento, é de quem quer se perder ali comigo. Ouço, devagar e baixo, os gemidos sufocados pelas virtudes tão bobas que o tentar-parecer-homem obriga; e peço que gema, peço que grite, que ali é um segredo e o mundo lá fora não existe, além da chuva e das flores que ele me colocou na janela.

Quando ele vem à noite, fechamos os olhos e nos vemos melhor. Encontramos no instante a felicidade - mais que o tesão, a felicidade - de estarmos juntos, e de estarmos sós.

Quando ele vem à noite, pouco falamos; devagar e como quem sempre foge, deixo ele se enfiar em mim como bicho que sabe o caminho desde antes de nascer. E gosto, e gozo, e durmo feliz.

2 Comments:

Blogger malvinas said...

Uma dinâmica botânica de flores...

8:03 PM  
Anonymous Anônimo said...

Me lembrei de uma das animações do The Wall...

Segredo entre quatro apredes é algo que alimenta a vida. É um tempero, se é que pode-se chamar assim... faz bem =)

100+ 8)

9:56 PM  

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