segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Um homem

Ontem me chegou um homem, assim, do nada. Às vezes isso aocntece comigo, um homem (ou uma mulher) me pega de surpresa e me revela alguma coisa da vida, alguma coisa que eu precisava ouvir. Difícil explicar o encontro evitando as palavras místicas. Mas vai.

Ele não tinha nada de incomum, a não ser que falava muito. E como outras vezes, como outras pessoas que já me aconteceram na vida, não era anjo, não era lindo, não era sagrado. Só veio direto falar comigo. Estávamos num takeaway indiano, e eu com aquela cara de tédio, a cabeça pesada de ressaca, tentado fingir que não falava inglês. Ele falava e sorria, negro e enorme. Eu me desentendia. Ele começou:

- Depois de um tempo que as pessoas vivem aqui elas ficam como os ingleses, elas deixam de olhar para o lado. Como cavalo, sabe, que colocam aquela coisa nos olhos - não sei a palavra emportuguês e muito menos em inglês, mas entendi porque ele, falando, gesticulava muito. E sorria:

- Eu apesar de ter nascido aqui me cuido pra isso não acontecer. Minha família é do Caribe, tenho no sangue o gosto de falar com a gente, de olhar no rosto da gente.

Eu estava bem no meio de um pensamento que era: ai mais esse chato agora... Tive que parar. Olhei para cima, olhei pra ele. Verdade, falei, a gente vai ficando fechada também. Ele seguiu:

- Sabe, muita gente vem pra cá e se perde. Toma cuidado. Todo mundo chega com um sonho, mas aí a cidade vai levando, vai comendo. Depois de quatro anos, estão ali trabalhando num restaurante, numa lanchonete, porque aquilo permite que eles pensem em outra coisa enquanto fazem o serviço. Veio a vida e apresentou um caminho outro, tantos caminhos, e eles foram embora junto, até esqueceram do sonho primeiro.

Fui ficando atônita, a respiração até mudou. Estava chocada, grata, meio nerevosa e com vontade de enfiar na cabeça que o cara era um chato mesmo, e nada mais. Tentei responder, mas saiu só:

- Como assim? Como é que a pessoa se perde?

E ele me olhando do alto:

- Sabe por que você está demorando tanto pra escolher? (eu com o cardápio na mão há uma meia hora, atrapalhada com aquele monte de nomes indianos e Bangladeshis e ainda com aquela falação). Ele mesmo responde:

- Porque você tem muita opção.

E sorriu de novo. E me derrubou. Chegou o seu pedido, pegou o pacote, me apertou a mão e saiu. Não era nada que eu já não tivesse ouvido antes, mas bateu demais.

Antes de vir, e eu sempre soube, estava numa confusão aberta e linda, preparada pra o que desse e viesse. Mas agora já são meses de confusão, meses de esperar, meses de tentar entender. Tô cansada. Os caminhos mais variados seguem me chamando, e no entanto eu já decidi o meu faz muito tempo.

Tem gente que fala que nem é escolha, que eu nasci praquilo. Tá na hora de voltar. Um passo pra trás. Que na minha pequena seleção de coisas que eu faço e amo, no meu caminhozinho e mesmo invejando aqueles todos que pegaram outros caminhos e foram pra outras partes, na minha estradinha estreita e de terra eu sou feliz.

1 Comments:

Blogger Malvinas said...

Malvina, isso é um passo pra frente!
Pé na estrada de terra...

10:59 PM  

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