terça-feira, novembro 22, 2005

o telefone tocou novamente...

e era telemarketing. porra de telemarketing, coisa chata, tarde quente, trabalho morno, coração fritando como sempre... e o telefone toca. coisa boa até que podia ser, um convite, uma viagem, um gatinho, uma amiga com saudade. mas não: boa tarde, por gentileza, com quem eu falo? pergunta capsciosa, vele uma explicação completa? minha cara, a senhora fala com uma jovem mulher de vinte e poucos anos, gerada no início da década de 80, cuja infância pautou-se pelas influências de brinquedos, programas e persanegens dessa mesma década perdida. adolesceu já nos anos noventa, ouviu dance music, pagode e lembra-se bem do começo do plano real e do dólar pau a pau. com quem a senhora fala? com uma jovem mulher que precisa perder uns quilinhos se não quiser passar vergonha no reveillon baiano, que tem um coração um tanto partido pelos dissabores da vida como todas as outras, e a senhora também, se não me engano. com uma moça casadoira que às vezes sente culpa antes de dormir porque andou transando sem camisinha com uns tipinhos por aí, e que sonha de manhã antes de levantar que o dia de hoje vai ser diferente. com quem a senhora fala? com uma jovem mulher que mesmo em pleno século XXI ainda se sente oprimida pelo machismo em diversas ocasiões, assim como a senhora quando leva cantada ou grosseria dos clientes do sexo masculino que têm de enfrentar, com alguém que quer ser feliz para sempre mas não sabe como, que andou tomando de quem não precisava e dando em quem não merecia, que gosta de sorvete daqueles cheios de calda e pedaços, mil calorias a mordida, uma pechincha! a senhora fala com uma mulher de TPM e com calor, com a barriga cheia ainda do almoço e o coração ainda cheio de ansiedade, que adora ser mulher e não trocaria por nada desse mundo o poder de sedução tão divertido de brincar nos sábados à tarde. a senhora fala comigo, mas podia ser com qualquer outra, afinal tudo que a senhora está esperando é o fim do maldito expediente, já está cansada de ter que estar repetindo o mesmo texto decorado e ouvir as pessoas dizerem que não, obrigado, não estou interessado, a senhora quer mais é pegar o bendito ônibus, lotado como todos os dias e sacolejar durante uma hora e meia até sua casa e encontrar seu marido e dar aquela rapidinha antes de qualquer coisa, não é mesmo? a senhora não quer oferecer esse produto, assim como eu não quero aceitá-lo, mas a dança da vida continua, e a senhora segue oferecendo sem vontade uma coisa que ninguém aceita, porque tem de pagar o aluguel, ir ao motel de vez em quando e comprar atroveran nos dias de cólica. a senhora fala com alguém que podia ter respondido tudo isso assim num só fôlego, e aí seu dia teria tido pelo menos uma coisa diferente, e a senhora até daria risada comentando com a colega ao lado como tem gente maluca nesse mundo de deus.

o problema é que a senhora falou com uma moça de pouca presença de espírito, que na hora disse apenas que não estava mesmo interessada nas facilidades que a senhora tinha a oferecer.

uma pena.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Gostei mutcho!

6:25 PM  

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