quarta-feira, junho 07, 2006

O menino que eu ganhei com uma crase

Desde muito cedo despertou-se em mim essa paixão pela gramática, muito ao contrário da maioria das crianças da minha sala. Tinha verdadeira delícia em aprender cada regra, cada lei que não podia ser ferida, ao custo de estragar o entendimento verdadeiro do que se queria dizer. Ainda hoje sei de cor: as oxítonas são acentuadas quando terminadas em a, e, o, em, seguidas ou não de s; as paroxítonas, quando terminadas em l, u, i, s, r, x, n, seguidas ou não de s; as proparoxítonas – a maior vanglória de qualquer aficcionado como eu – são todas acentuadas. Por um tempo tive vergonha, mas minha pequena tara era tão satisfatória comparada à daqueles que entendiam como ninguém as leis da física, que comecei a admiti-la e gostar dela.

Foi mais ou menos com essa delícia que respondi ao menino novo: não, não tem crase. Ele insistiu: tem crase. Não, se não há artigo feminino, não há, disse. Ele insistiu. Quer apostar, perguntei. Ele quis. Apostou tudo. Tudo, tudo mesmo, garantiu.

E a verdade é que eu já me deliciava das suas pequenas belezas havia muitos meses. Mais novo, ainda verde, mas de pequenas sutilezas que me deixava maravilhada; um dar de ombros, um franzir de testa e uma careta quando não sabia o que dizer (ele, que sempre achava saber de tudo). Com os dias, fui aprendendo a me deliciar mais da sua presença, uma presença forte embora jovem, embora carregada da soberba própria dos meninos novos. E que sabia – ai, quantas amigas me avisaram! – da sua delícia. Como sou o que sou (frívola?), uma Casanova por natureza, não poupei-lhe esforços: agrados, ajudas, atenção. Mimei-o, mimei-o demais, depois admiti. A um como ele, não se trata assim (advertiram-me), mas com sutil desinteresse. Que é coisa que eu não sei fingir. Dou-me, como vocês já sabem. Mas nesses vai-vens, acabei me desinteressando pelas suas frágeis recusas, recheadas daquele mover de braços que denunciavam o mesmo desejo (diferente, talvez, mais moço, mas imediato, mais bobo), mas sem nunca satisfazê-lo. Recusou-me diversas vezes. E foram meses passando.

E eis que me chega a crase, a maravilhosa, sempre polêmica, que me gratifica com a agradável oferta: tudo. Pedi uma cerveja, para começar. Marcamos data, hora e pretexto. Já está na hora já, ele observou.

Levantei-me cedo, vesti a roupa mais aprumada. Uma que não denunciasse a minha alma de menina louca louca louca de querer bem (roubei do Chico que canta na vitrola essa, desculpem-me). Passei o dia enterrada em afazeres, desejos doutra ordem a que me entrego com igual ardor, porque são desejos e ponto.

E na hora marcada ali estava ele. Vestira sua camisa mais nova (não tinha muitas), que gentilmente combinava com a calça. Penteara o cabelo para me presentear; e não mediu palavras, não sufocou os gestos. Veio com agrados, veio dizendo que já fazia tempo, veio dizendo que me queria. Me abraçou forte como outras vezes, mas desta vez sem brincadeira: desejo de gente grande.

Fomos a um bar que eu conheço de outras histórias. Levei-o, paguei as cervejas (embora tivesse me prometido que pagaria – sabia ele que o prêmio era outro) e fomos levando o papo alegre da pessoa leve que ele sabe ser quando deixa na rua a vaidade. Falou-me da sua terra natal, onde também viveram meus antepassados e onde ainda hoje se criam sacis; falou-me da viola que se toca como quem chora; falou-me da primeira vez que andou de avião, como quem pela primeira vez desprende-se do chão a saber que a vida anda também pelos ares; falou das incertezas da profissão que o escolhera; e das mulheres que já beijou (sem nunca ter broxado, propagandeou). Fomos nos deixando envolver. Ao som do samba que trazia notícias de velhos amores cansados, e da promessa de novos desejos que virão.

Tarde da noite, levantei-me escorando nos seus ombros largos (como outras vezes). Finalmente, não resisti. Agarrei-lhe o rosto e lasquei o beijo que há tanto tempo tinha guardado para ele – molhado, infantil, desejoso. Ele gostou; propôs que eu o levasse para casa. De bom grado paguei o táxi. E chegamos, já as mãos procurando por todo corpo – e nem pude me desculpar com o taxista. Senti de novo o que é um desejo juvenil, estreante. A vontade de saber como é aquilo também me tomou. Fomos direto para o quarto. Dali, me lembro apenas de sensações que pouco posso descrever.

Sei que foi rápido, e foram muitas. Sei que quando descobri o seu corpo vi-o como imaginava, forte embora ainda envergonhado. Guardava ali um cheiro e um sabor insuspeitados – de menino que seria um grande homem na vida. Dispensável dizer que seu pau era grande, enorme, e duríssimo. Lambi, mordi, machuquei cada parte do seu corpo. E ele pediu clemência, resmungou, virou-se de lado; então eu lhe lambi o ouvido, pedi que voltasse. Ele voltou, gozou, gozou tantas vezes que nem me lembro, só sinto agora na boca o seu gosto ainda. Adocicado e de pouco sal, diferente do que eu imaginava. De uma doçura que jamais pensei, como o revirar de olhos e o sorriso meigo que estampava ao gozar.

A primeira vez fizemos em silêncio, apenas uns gemidos sufocados na vergonha de comer um colega de trabalho de tanto tempo. Depois fomos nos deixando, falamos cruezas, falamos baixarias, quase sussurramos juras de amor. A manhã nos flagrou ainda na cama, ainda em movimento. E nos devorou. Cedo tínhamos que trabalhar, nos encarar de roupas e seriamente no mesmo escritório de sempre. Rimos muitos disso. E decidimos tomar café ainda pelados, ouvindo o catarolar dos homens que trabalham ao lado de casa.

Uma pena, menino novo; não me ligaste, não deixaste que o sonho se tornasse algo de palpável. Nem pagou a dívida. Resta a lembrança do futuro que não virá.


E saber o que é o desejo, de onde ele vem? Fui até o centro da terra, é mais além. Procurei uma saída, o querer não tem, estava ficando louca louca louca de querer bem! E chegar até o limite de uma paixão baldia, no oceano, com a minha mão. Encontrar o sal da vida, e a solidão esgotar o apetite, todo o apetite do coração...

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

quem sabe ele também sempre quis uma noite dessas, mas, como é ainda moleque (e bobo), se perdeu em meio às possibilidades? hein?

11:23 AM  
Anonymous Anônimo said...

aaaaaahhhhhhhhhh foi só sonho?? poxa vida..........

não faz tanta propaganda dele não, que até eu tô ficando com vontade!!

ahahahaha vai me matar!

12:41 PM  
Blogger malvinas said...

Ô, não anima não, neném, que isso tudo só existe na minha cabeça...

1:05 PM  
Anonymous Anônimo said...

Ah!!!!!!!!
Eu bem que avisei que a empáfia é maior que o pinto desse um.
Pode crer que é.
Só não é maior que a bunda: bundão.

1:21 PM  

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