segunda-feira, setembro 12, 2005

a barriga estava enorme, redonda e dura. barrigão de nove meses, aquele reflexo básico de grávida de ficar pondo a mão no ventre, como segurando ou protegendo o que está lá dentro. a dor, a dor, parecia bexiga cheia, cólica, doía muito. a gente andava por umas ruas de paralelepípedo, as meninas me ajudando a andar, precisamos chegar no hospital, vai nascer, tá doendo, calma meu filho, que vai dar tudo certo. não sai ainda não, a rua escorregando, a dor aumentando. sinto o útero apertando, doendo. chego na fila do hospital, tem que passar por uma catraca pra entrar, vejo o médico e grito deseperada, doutor, vai nascer, preciso de ajuda. passo à frente das pessoas na fila, procurando a maca, a enfermeira, vai nascer. as dores diminuem, mas continuo gritando num fingimento desesperado. o médico manda que eu sente num banquinho e me diz que ainda não é hora de nascer, sabe do meu fingimento mas me trata com pena. "alguém da sua família quer que essa criança nasça uma marionete".
corte imediato para outra cena totalmente diferente. um quintal, umas cadeiras de praia, alguma festa, talvez uma colônia de férias. converso com um casal de amigos bem próximos, chega o moço-dito-cujo, não vejo faz tempo, saudade, sorriso demais de ele estar ali. ele senta na cadeira ao lado da minha e pergunta "quer ver minhas notas?". quero, claro, quero tudo, meu filho. me passa um papel impresso tipo aqueles do júpiter mas cheio de correções feitas à mão, diversas matérias e notas que variam entre 5 e 6,5, ele se envergonha meio ironicamente do seu desempenho medíocre. coloca o braço em cima do meu, mãos dadas, o peso e a consistência exatas da mão dele que conheço bem e que já reconheci até esbarrando sem querer numa multidão. os rostos se aproximam, aquela sensação boa da última fração de segundo antes do beijo.
acordo com minha mãe entrando no quarto, são dez horas da manhã preciso daquele papel do seguro do carro. a incômoda sensação de ser uma vagabunda-que-acorda-às-dez-horas-da-manhã. ela sai, fecha a porta, o choro vem antes que eu possa pensar em qualquer coisa. choro porque não estou grávida, porque fiz um aborto, porque a sensação da barrigona de nove meses foi tão real, deve vir na carga genética, era real demais e tenho certeza que é exata. choro porque o peso da mão dele na minha era absolutamente exato e real, porque a temperatura, o contato, tudo perfeitamente igual à realidade, sonho verdadeiro demais, estranho acordar e lembrar que é segunda-feira e que é o momento de resolver tudo aquilo que tenho pra resolver, um monte de problemas que parecem me soterrar. difícil acordar, tenho entrado numas de sonoterapia, desde o acidente dormi mais de dez horas quase todas as noites, mas foi o primeiro dia em que me lembro do sonho. estrnho, tenho medo, afetou todo o meu dia. saudade de coisas que nem aconteceram, nostalgia esquisita.