terça-feira, maio 02, 2006

Como matar um amor novo

Há dois anos, dois anos apenas eu comecei a zanzar pelo mundo moderno das relações, veio junto com a descoberta que casamento à moda antiga, homem da vida etc, eram coisa de ficção, coisa de quadrinho. Fui passeando, fui flertando e descobrindo um monte de coisas, regras novas. Coisa triste foi aprender – e tive que aprender – como se mata um amor novinho, que eu vi fazerem na minha frente, enquanto eu suplicava que não. Daquela vez, doeu demais. Implorei ao homem casado que me fizera apaixonar. Mas ele assassinou. Daquela vez, doeu demais. Me pareceu injusto, me pareceu violento, me pareceu horrendo. Ainda hoje, é coisa que eu não gosto, mas aceito como um ato mais... trivial. Talvez, se eu perscrutar dentro da alma de mulher sonhadora que me resta, saberei que ainda machuca. Mas tenho que fazer de novo e de novo. Hoje, tenho que matar um amor novo.

Matar um amor novo é como assassinar um recém-nascido; ele é menos o que se apresenta na nossa frente do que a possibilidade do que ele pode ser; é reprimir a saudade do futuro, os delírios breves de possíveis felicidades. Se for possível, deve-se olhar para outro lado, para tantos lados quanto puder. Olhar para o presente, firmar o pensamento nas pequenas delícias bobas que todo dia traz, mesmo sem amor. Respirar fundo. Talvez, então, encará-lo, e vê-lo enquanto se debate em nossos braços, pequeno e inútil como qualquer coisa que ainda não anda sobre as próprias pernas; vê-lo pequeno esboço de algo, apenas um frágil amontoado de matéria viva; um nada. Daí, prender-lhe as pernas para que não se debata forte enquanto o seguramos com ambas as mãos; tampar-lhe a boca para que não chore estridente; e, sempre, vendar-lhe os olhos para que se apaguem as chispas de esperança de uma vivência nova, de um futuro que poderia ser colorido.

Se necessário, talvez colocar o som bem alto na música mais elétrica, para que não se ouça o seu choro; talvez calçar luvas para não sentir o suave da pele em-folha e úmida; talvez prender a respiração para que o odor fresco não nos embriague uma vez mais; talvez até fechar os olhos para não tornar a ver os pequenos momentos de felicidade ainda ensaiada, pequenos gestos que vislumbram um impossível, que demonstram uma vontade, apenas, de ser. A ele, ao amor novo, deve-se atar os braços para que não nos machuque nem tente desatar os nós. E então deve-se afogá-lo, cortá-lo em pequenos pedaços moles de carne morta, quebrar-lhe o pescoço até que não mais respire; jogá-lo no chão, pisoteá-lo. Deve-se transformar o amor novo numa massa amorfa, num resto de resto de resto sem qualquer semelhança a um ser vivo. Depois, ajuntá-lo, amarrá-lo num saco preto, enterrá-lo no quintal. E sair para andar devagar pelas calçadas ensolaradas; e lembrar de todas as pequenas delícias bobas que todo dia traz.

3 Comments:

Blogger malvinas said...

Adoro quando mata alguém, os textos ficam assustadoramente bons!E já não é a primeira vez, passo a passo, sanguinária....
Mas, me parece uma pena matá-lo...

4:58 PM  
Blogger malvinas said...

nossa malvina! literatura de alta qualidade! tô passada!
por isso que eu digo: quer escrever bem? sofre. sem sofrimento não tem poesia.

é como dizia um dos mestres: "o samba é pai do prazer" mas, veja bem, "o samba é filho da dor". é isso aí.

5:02 PM  
Anonymous Anônimo said...

é isso ai.. Morte ao rei...

8:00 PM  

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