segunda-feira, outubro 17, 2005

Peço licença para adentrar essa porta...

A música foi ficando mais alta, eu fechei os olhos e ela se transformou em formas geométricas concêntricas. Por causa do teto baixo, todos estavam sentados, mas eu balançava o corpo em pé, entregue ao ritmo e aos triângulos. Eles eram isóceles. Um homem delicioso me pegou para dançar. Ele se mexia de um jeito só dele e eu virei boneca de pano para acompanhá-lo. A boca sorrindo, os olhos fechados e ele dizendo: você dança tão bem. Out of the blue, começou a recitar poesia. Uns versos secos, bonitos, que combinavam com o tipo pura ginga que ele era. Eu só olhava. E ouvia. Podia ser bonito, mas não era. Porque ele parecia saído de uma loja de homens roots em Miami. Ele era tão real quanto a Xuxa. Cada coisa que ele dizia tinha um objetivo definido e calculado por trás. A poesia queria impressionar a menina pequena que não bate a cabeça no teto. A poesia foi seguida de um beijo, mas os meus lábios fugiram. Me refugiei no ex. Ele estava lá também, ao lado de uma garota de peitos oferecidos que se achava bonita e só isso bastava para fazer com que fosse. Eu não queria que ele ficasse com ela. Puro egoísmo. Há muito tempo não estamos juntos, conseguimos chegar ao somos bons amigos e eu sou casada com outro faz anos. Tive que me segurar para não soltar uma ironia qualquer, coisa de bicho ferido, mulher vingativa. Meu corpo se atracou ao do ex, numa dança gostosa, familiar. Cheiro, mãos, coxas balançando e a certeza de que nunca dormiremos juntos de novo. Porque eu não quero. Nem ele, acho. Mas no espelho do banheiro eu me olhei e disse: não vou dar, mas vou flertar, so what? Que merda, mas isso faz com que eu me sinta viva. Paramos bruscamente, os corpos loucos para cruzar a fronteira estabelecida pela mente, pela educação moral e cívica, pelos bons costumes, pela culpa, pela parte homem do centauro. Um menino-tipo-gatinho-loirinho me levou de volta para o salão. O mesmo que tinha deixado meu ego puto da vida meia hora antes porque chamou a amiga que estava sentada comigo na mesa para dançar e nem olhou para mim. Agora que eu estava cheirando a fêmea, ele me queria. Agora que a bebida e a maconha me deixaram um pouco mais prepotente ele vinha com aquele sorriso meigo-cuida-de-mim-preciso-do-seu-amor. Retribuí com o meu olhar-malicioso-fingindo-candura e rodamos juntos pela pista felizes. De vez quando eu olhava para a porta para ver se o homem que mexe comigo como ninguém chegava. A zabumba repicava contente e o cara gente boa me convidou para uma dança. O cara gente boa é uma categoria que faz do mundo um lugar mais respirável. Ele não tem malícia, por isso é desinteressante como parceiro mas um grande candidato a amigo de verdade. Esse ainda era bonito, o que é raro no cara gente boa, e com ele me senti leve. As mulheres que casam com o cara gente boa costumam ser felizes. Quando a banda parou, de repente não fazia mais sentido eu estar lá. Troquei palavras desconexas com o ex e resolvi que precisava ir embora. No carro, fui imaginando meu amor dormindo na cama, quentinho, esperando eu chegar. Fiquei transbordante com a lembrança. Quando meu corpo brinca de fazer promessa para outros, é para ele que eu quero voltar e dormir abraçadinho. Eu sou uma filha-da-puta.

2 Comments:

Blogger malvinas said...

Ar-ra-sa! É com grande honra que essa multidão de Malvinas sacanas e filhas-da-puta recebe essa nova integrante, a única que passou para o lado de lá - o das casadas - e com convicção. Chega chegando, mostrando pra gente que mulher é mulher, e ponto. Quem casa não morre não, filha. Necas.

7:03 PM  
Blogger malvinas said...

ai ai ai, que sei como é essa história... que a gente fala, fala, mas na hora do vamo ver quer mesmo é voltar pros braços do oficial! mas assim que é bom... que é o tal do amor...

bem vinda!! é bom ter uma do "outro time" pra opinar entre essas malvinas "jogadas no salão".

11:04 AM  

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