sábado, dezembro 17, 2005

te vejo de qualquer cor

eu estava naquele mesmo bar, e nem sei porquê aquela conversa veio à tona. eu tinha desistido - eu desisti - de discutir você. talvez porque sua irmã apareceu, e eu brinquei com a minha amiga, a maior das malvinas, mas que infelizmente não escreve aqui: olha lá a cunhadinha. e aí ela perguntou alguma coisa, e eu comecei a falar, nem sei porquê eu comecei a falar, eu tenho evitado falar de você até pra mim mesma, mas foi. e de repente eu estava com a garganta entalada, e tive que fazer umas pausas bem longas pra não deixar o choro sair, até por vergonha da minha interlocutora. acho que ela percebeu. mas fingiu que não percebeu, claro, porque amiga é pra essas coisas.

eu não estava bêbada. pelo contrário: eu estava em um daqueles dias em que o álcool não faz efeito. tomei cerveja e cachaça, e nada. uma sobriedade absolutamente irritante e doída. uma sobriedade tão lúcida quanto a lucidez que você me empurrou goela abaixo, com todas as suas mancadas. a absoluta consciência de ser totalmente impotente em relação a você; a inegável constatação de que não adiantaria o que eu fizesse - não pude te obrigar a gostar de mim. não posso. gostaria de dizer que agora, nem quero mais, mas essa mesma lucidez também não deixa que eu me engane tão deliberadamente: se tivesse alguma coisa, qualquer coisa, que eu pudesse fazer para você se apaixonar por mim, eu faria.

mas não tem. não teve. da mesma forma que você nunca fez nada pra eu gostar de você. eu eu gostei mesmo assim. do mesmo modo que alguma coisa se quebrou entre a gente em determinada época e tudo mudou, e é tão claro que um elo se quebrou, mas não sei o que é, nem creio que seja algo específico. eu lembro, às vezes, sem querer, da época em que era tudo tão legal entre a gente. são cenas que vêm à minha mente, do nada, e eu falo, surpresa: é mesmo, era bom, você gostava de mim, não posso ser tão maluca. eu lembro de você dizendo "gatinha", bem baixinho quase pra eu não ouvir, tão açúcar com seus cílios de criança, e eu sentia aquela coisa forte que me dava vontade de te abraçar pra sempre. lembro da primeira vez que fomos pra cama, lembro do apartamento vazio, de mudança, e de você falando da minha tatuagem, e me oferecendo iogurte de morango na manhã seguinte, tentando impedir que eu fugisse desesperada - o que eu efetivamente fiz. lembro da gente louco de ácido, tomando água, uma festa pra lá de bizarra, a gente vendo aquele gringo tocando, cabelos verdes e música eletrônica, a sala tomada do cheiro de cola e você preocupado, "não vai cheirar cola, hein, mulher". lembro da gente no carro, lembro de você na festa da puc muito louco e muito babão, e de todo mundo tirar uma da sua cara por isso, e eu fiquei com tanta pena porque você ficou sem-graça de verdade, e te abracei e beijei pra te defender. e a gente foi pedir pra tocar tim maia, e o dj tocou a música que ah!, se eu soubesse o quanto aquilo foi quase uma premonição... lembro da primeira vez que a gente ficou, lembro da segunda, e a partir daí tudo se misturou, e foram tantas vezes e tantas vezes no mesmo lugar e em noites parecidas que pra mim parecem todas a mesma, uma noite imensa da qual lembro muitas cenas.

enfim. foi esse o filminho que passou pra mim enquanto eu ouvia a minha amiga falar e tentar clarear um pouco a minha cabeça, e também me dar tempo pra engolir o choro. e daí saímos de lá e fomos pra outro bar, outro bar que também me lembra você, como tudo me lembra você, um bar que me lembra você mais porque foi sempre o lugar para o qual eu fugia pra tentar me distrair da sua imagem, e também porque mesmo assim nos encontramos lá algumas vezes e eu pensava "mas até aqui?". e uma vez você ficou cantando pra mim uma música lá, um samba do cartola que a banda estava tocando, e que por incrível que pareça eu não conhecia, e não consegui entender direito a letra, e só fui lembrar de procurar a música e a letra muito tempo depois, e não entendi porque aquela letra, mas também já fazia tanto tempo que não dava mais pra entender. e o primeiro verso é "sabes que vou partir, com os olhos rasos d'água e o coração ferido", e será que era um aviso? ou era uma música à toa e você só cantou pra me fazer um pouco mais confusa?

e nesse bar, ai meu deus, eu sozinha e tantos caras me chavecando, alguns malas, outros bacanas, alguns feios, outros bem gatinhos, e a cachaça, e a cerveja e a minha maldita lucidez. fui embora. dirigindo bem devagar e cantando, pra me jogar na cama e tentar esquecer de tudo isso. mas não dá.

1 Comments:

Blogger malvinas said...

Se tivesse alguma coisa, qualquer coisa, que eu pudesse fazer para ele se apaixonar por mim, eu também faria...

6:05 AM  

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