terça-feira, outubro 11, 2005

superbonder já

faz um tempo, alguém me disse (ou será que li em algum lugar?): "meu coração está tão partido que dá até pra ouvir o barulho dos caquinhos balançando". ok, não é um primor da imagem literária, mas define muito bem a minha sensação quando fazem meu coração parecer um copo quebrado no saco de lixo.

eu me lembro mais ou menos quando me dei conta de porque o coração representa o amor; é pelo motivo mais óbvio do mundo: porque a gente realmente sente no peito algumas coisas. tipo, é uma sensação física, né? coisa idota estar falando isso, mas por incrível que pareça, realmente teve um dia em que eu senti a dor no meu coração e falei "ah, é no coração mesmo que a gente sente". e isso não faz tempo, não, coisa de dois ou três anos atrás.

foi uma descoberta incrível; passei a prestar a maior atenção nas sensações que as coisa produzem no meu peito. ciúme? nossa, um aperto desgraçado, parece qua alguma coisa vai explodir lá dentro. indiferença alheia, fim de namoro, rejeição? aí dói, dói de verdade, a vontade que dá é pegar uma faca, abrir o peito e tirar o maldito de lá pra parar de doer. amor? fica tudo quente e parece que tem uma nuvenzinha rosa saindo pelos poros.

mas voltando, que eu ia falar sobre os caquinhos e não sobre as (outras) idiotices que eu fico devaneando antes de dormir. então, os caquinhos, é mais ou menos assim que funciona:

o coração de todo mundo é um potencial amontoado de caquinhos. quando você está na barriga da mamãe, eles estão lá, tranquilinhos e juntinhos, sem quebrar. a partir do momento em que você nasce, pode ter certeza: sua vida inteira vai ser um quebrar e consertar de caquinhos. eu sempre gosto de citar o Peter Pan, ou melhor, o cara que escreveu o Peter Pan (que eu não lembro o nome), que diz que a maior mágoa na vida de uma criança (de todos nós, afinal já fomos crianças) é quando ela sofre a primeira injustiça. incrementando a teoria do cara, acho que essa é primeira vez que os caquinhos se soltam. mas criança também esquece as coisas muito rápido, e logo eles estão coladinhos, no lugar, de novo.

aí vai indo conforme as fases da vida. na adolescência, aqula tiração de sarro por ser gordinha, ou por ter cabelo ruim, ou por usar aparelho, ter língua presa, sei lá, se vem dos colegas em geral, tira só um pedacinho de caquinho, só um ou outro que dá uma cortadinha; mas se vem daquele menino que você tanto gosta, com apoio daquela menina "perfeita" que você detesta, pronto: é de novo um amontoado de caquinhos.

depois você vira adulta (ou meio adulta, pelo menos) e vai tentando aprender métodos de colar os seus caquinhos mais rápido, ou de impedir que seu coração se torne um amontoado deles com tanta frequência. então você tenta ser racional, tenta não levar ao pé da letra as besteiras que os homens falam quando estão bêbados e com tesão, tenta ser bem fria e madura quando seu ex arruma outra namorada. mas de repente vem uma coisinha e pá! arranca uns caquinhos. eles dão uma cortadinha, uma balançadinha, mas aí você toma uma cerveja com as suas melhores amigas do mundo, ouve uma música bem brega e engraçada, faz umas compras e pronto: bota de novo eles no lugar.

só que às vezes é mais que isso, né? às vezes alguém (ou a vida mesmo), pega o seu fágil esquema de caquinhos colados e re-colados e simplesmente pisa em cima, tipo aqueles casamentos judeus que o noivo pisa num copo de cristal e quase o reduz a pó de tantos caquinhos em que ele se divide. aí você perde toda a sua maturidade, racionalidade, e volta a ser aquela criança que sofreu uma injustiça pela primeira vez. só que você não esquece mais tão rápido, e imagine o trabalhão que dá pra colar caquinhos tão pequenininhos que quando quebra um copo em casa só dá pra tirar com aspirador (aqueles que a vó avisa "não anda descalça aí que quebrou um copo de manhã")... mas tudo bem: você vai colar do mesmo jeito, porque dói pra caramba ficar andando por aí com um monte de caquinhos afiados dançando dentro de si. e vai colando, devagarzinho, de vez em quando se corta, de vez em quando não acha um pedaço, de vez em quando você vê, por acaso, uma foto, e perde todo o trabalho feito no dia (cai tudo, que nem castelo de cartas), mas você continua. é um instinto de sobrevivência.

eu tenho aprendido a colar meus caquinhos com superbonder, sem colar os dedos. às vezes nem ela dá jeito, e eles se separam mesmo assim (quando a pancada é muito forte), mas também estou cada vez mais profissional em botar eles no lugar rapidinho. às vezes não coloco direito, e em pleno ponto de ônibus um deles me corta bem fundo, e dá uma sangradinha. mas vou melhorar. e quando alguém me disser "nossa, mas você tem coração de pedra!", eu respondo, "não, meu bem, é que eu uso superbonder para os meus caquinhos".