terça-feira, julho 31, 2007

Dona flor

Hoje, vindo pra cá de manhã, sol de inverno, casaco de lã, pixies tocando, descobri que é possível gostar de duas pessoas ao mesmo tempo. Sempre fui a maior defensora do amor exclusivo da fidelidade e da devoção da alma a uma só pessoa. Mas hoje eu descobri, assombrada, que gosto dos dois. Um é o ex, pai do meu filho, que me tem causado dores de cabeça ultimamente, desde que descobriu o outro. Eu chorei quando ele socou o muro e quis abraçar quando ele chorou. Quis paralisar a rua e a chuva, e o ódio e as mágoas que, caralho, por que a gente deixou a coisa chegar a esse ponto? Ele não fuma. Não bebe muito. Te uma tatuagem que eu dei pra ele de presente porque queria muito ele tatuado. Ele é artista, daquele que não sabe ganhar dinheiro, que não tem iniciativa profissional, que é frustrado por não ganhar dinheiro com o que mais gosta de fazer. Ele gosta de rap, usa calça larga e boné. Fui mãe dele, fui o homem da casa. E mesmo assim quero abraçar ele bem forte quando ele abre os braços pro nosso filho vir correndo e pular nele. Não quero sexo. Não quero carne. Quero a alma de volta pra mim, apesar de saber que não dá mais. Quero que ele fale o que nunca falou. Porque não fala. Sente forte, mas não diz.
O outro é a aventura. O perigo. Aquele que não previa, o furacão. Sinto que ele vai arrancar a minha pele com o dente, sinto o frio na barriga, sinto que vai dar merda. Mas já deu. Já gosto. Já sinto falta e ciumes. E já cheiro a roupa dele que ficou jogada no chão da minha sala. Ele bebe (muito). Fuma. É criatura da noite. Tem tatuagens espalhadas de morder uma por uma. Dele quero arrancar a roupa, a pele, grudar no suor. Com ele não tem limite, a coisa vai até quando eu quiser. É homem, se sustenta, paga pensão pros filhos, me pega em casa, paga a conta do restaurante caro. Me abraça por cima, me chama de linda. Me diz as melhores mentiras do mundo. E eu to começando a querer acreditar. Brinca com o meu filho de espada. Ele é punk, de calça grudada e camiseta listrada. E me dá um medo danado.
São tão opostos que deve ter algo de freudiano nisso. Mas eu seria a dona flor mais feliz do mundo se pudesse dividir minhas noites entre o Sex Pistols e o The Roots, entre a insanidade e a familia feliz. Entre a carne entre os dentes e... ó vida.

quinta-feira, julho 19, 2007

O Ciúmes

Não me lembro quanto tempo faz que comecei a roer as minhas unhas, nem há quanto tempo comecei a sentir ciúmes e, muito menos, há quanto tempo comecei a sentir medo de tudo. Hoje fui ao dermatologista para tirar duas verrugas e acabei mostrando as minhas unhas deformadas. Me receitou uma pomada, um óleo, um mês sem alicate, sem esmalte e sem acetona. Respirei e pensei: chegou a hora de praticar o desapego! Sem temer o mundo, sem roer as unhas, sem temer a traição, o pé na bunda e sem temer as outras bundas. Se ele está comigo é porque ele me ama e ponto. E repetir essa frase para mim mesma toda vez que o ciúmes quebrar o meu coração. Não importa quantas bundas ele deseje, quantas amigas ele tenha, o que ele faz quando eu não estou por perto. É para mim que ele liga quando está feliz ou triste. É para mim que ele compra escova de dente e creme de corpo pra ficar no banheiro dele. Se não for pra ser, não será. E eu não vou morrer. Mas é preciso praticar o desapego e saber que qualquer coisa pode acontecer. Sim. Alguém pode morrer a qualquer instante e eu posso sofrer. Eu vou ficar triste, mas eu vou sobreviver. Se eu for assaltada, estuprada, sequestrada, se eu não morrer, eu vou sobreviver e vou tentar ser feliz. Sempre. Mas, se por alguma desgraça dessa vida, eu morrer antes de ficar velhinha, antes de ter meus filhinhos, se eu morrer, vou morrer tranquila. Eu fui uma boa namorada, fui uma boa filha, uma boa irmã e uma boa amiga. E é isso que importa. É saber que as coisas passam, as pessoas morrem. O que não dá mais é para viver pensando na próxima tragédia que vai acontecer comigo. Sem sofrer antes da hora, praticando o desapego. Sempre.

terça-feira, julho 10, 2007

A COBRA E O PORCO


Eu tinha 12 anos quando tocou o telefone. Foi minha mãe quem atendeu e a partir daquele momento meu padrasto estava morto. Choro alto, choro baixo, mais telefonemas, choro triplo e uma amiga minha que tinha ido dormir lá na noite anterior sem saber o que fazer. O homem da casa estava morto. Naquela confusão ninguém se lembrou de me explicar exatamente o que tinha acontecido, eu só sabia que ele tinha caído de um barco e ficava rezando para Deus silenciosamente para que conseguisse se salvar e chegar até alguma ilha deserta. Fiz promessas, barganhei com o Todo-Poderoso. Mas quando ficou decidido que eu ia dormir na casa da amiga que não sabia o que fazer e minha mãe desceu para dar a notícia aos pais dela, ouvi as palavras claras e precisas: ele morreu afogado.
Casa da amiga – palavras de consolo, olhares oblíquos e todos concordaram que as meninas tinham que espairecer. Fomos levadas a uma matinê. Eu odiava danceterias, mas sempre ia porque todas as minhas amigas adoravam. Secretamente, me regozijava porque as mães delas impunham limites para a hora de voltar para casa. A minha, moderna, nunca fez isso, mas aquelas mães caretas eram minha salvação quando eu tinha que fingir que me divertia enquanto o relógio andava cada vez mais devagar.
Foi lá que conheci a cobra. Só me lembro de três coisas dele: seu cabelo era comprido, muito liso e ensebado. Sua língua, mais áspera que pele de cobra. E tinha o nome do meu pai. Como já havia feito antes e continuei fazendo por anos e anos, fiquei com ele só porque veio e tentou. Nunca fui boa em dizer não. Tudo nele era nojento. Mas sim é mais fácil que não. Principalmente em momentos de desalento. Lembro que ele passava a mão peçonhenta na minha xoxota, por cima da meia-calça. Sim é mais fácil que não. Só depois é que fiquei sabendo que minhas amigas não deixavam ninguém passar a mão na bunda delas (na xoxota parece que ninguém tinha tentado). Até hoje tenho arrepios de horror quando me lembro daquela língua ofídica lambendo a minha e aquela mão áspera me percorrendo. Passei a noite que se arrastava interminável tentando me decidir a qual a tipo de cobra eu estava me entregando. Definitivamente não tinha majestade para ser naja. Pensei na jibóia, que asfixia e estrangula suas presas, mas ainda era muito para ele. Fiquei com a coral, falsa, evidentemente e depois torci para ele morrer de tédio comendo ratos de cativeiro no Instituto Butantã.

O porco veio anos depois. Praia, fim-de-ano, adolescência. Ele devia ter mais de 45 anos. Sua barriga gorda tinha pelo menos sete dobras, seu nariz velho era cheio de cravos e seu andar era suíno. Chegou simpático, sorrindo como um velho tio e me convidou para tomar uma caipirinha. Duas, três, quatro doses e minha vida escancarou-se na mesa bamba do botequim. Lembro que ele afirmou como um guru que divide um segredo com uma seguidora: enquanto não resolver seus problemas com seu pai, nunca vai conseguir ter um relacionamento de verdade. Por mais óbvia que fosse sua declaração, mesmo com a idade que eu tinha, aquilo me soou como uma maldição. Desviei o olhar, pedi mais umas caipirinhas e acabei bêbada que nem uma puta triste no fim do expediente que mostrou tudo o que tinha para quem não merecia ver. Ele se ofereceu para me acompanhar até a porta da casa onde eu estava hospedada com minha família. Aceitei. Sim é mais fácil que não. Eu mal conseguia andar e só pensava em deitar na minha cama e morrer até o dia seguinte. O chão de areia me fazia tropeçar e ele me segurava com suas mãos apresuntadas. Na porta do terreno me beijou longamente e foi embora sorrindo. Fiquei nauseada. Consegui chegar até o chuveirão e vomitei em jorros tentando lavar a alma. Pouco depois, me sentei em uma cadeira no jardim e minha mãe, sem fazer perguntas, trouxe um copo de coca-cola. Nunca mais tocou no assunto e eu a amo imensamente por isso.

PS Foi com esses sins que aprendi a dizer NÃO.

a arquitetura onírica de dona cotinha

eu quero um apartamento de chão de taco. claro e escuro, bem enceradinho e brilhante. mas sem sinteco (será que é assim que escreve?), que dá aquele brilho falso com cara de acrílico. eu quero com cara de antigo.

também vai ter uma varanda grande, e três quartos. uma cozinha pequena, mas funcional, de grandes janelas e tudo branquinho. azulejos pintados, também antigos. azuis e brancos. com desenhos de cozinha. a janela da cozinha será tão grande e iluminada que vai valer a pena até colocar uma cortina. de bolinhas ou xadrez. e vai ter uma mesa de metal, daquelas de bar - porque é pequena e dobrável, e a cozinha, como já disse, será pequena e funcional. a mesa vai ficar coberta com uma toalha vermelha, ou amarela. ou - mais linda ainda! - de chita bem florida. e nas prateleiras a louça ficará visível, e não escondida em armários, porque será composta de lindas canecas e pratos coloridos, e copos de requeijão, e copos modernos, e americanos roubados de bar. e também vai ter uma prateleira com as garrafas de cachaça de alambique pra oferecer às visitas, numa bandeja com os copinhos respectivos. também vai ter panelas, alho, cebola e pimenta penduradas nas paredes. e no parapeito da janela, vasinhos de manjericão, hortelã e alecrim frescos. vai ter uma prateleria cheia de temperos e especiarias. e um caldeirão bem grande pra cozinhar macarrão.

a sala, como todo o resto do apartamento, não será grande. mas o chão de taco, as luzes indiretas, o sofá gostoso e as almofadas no chão vão deixá-la bem confortável. vai ter as luminárias mais lindas do mundo. vai ter uma mesa baixa no canto, com livros de arte, de quadrinhos e revistas legais pras visitas folhearem. a janela será ainda maior do que a da cozinha - será uma porta. uma porta que dá pra varanda, que será grande o suficiente pra uma espreguiçadeira e uns banquinhos, e pra nos dias de festa trazer a mesa dobrável da cozinha pra fora. da varanda vai dar pra ver aqueles morros lindos, ou talvez uma pedrona gigante incrustrada na cidade, que a gente não entende como não cai.

vai ter um banheiro bem grande no corredor, com um chuveiro maravilhoso. um espelho bem grande com aquelas luzes de camarim pra se maquiar. ele também vai ser branco, e no verão insuportavelmente sufocante, vai ser o lugar mais fresco da casa. vai ter sempre um vaso com flores frescas no chão. e um monte de enfeitinhos, quadrinhos, bonequinhos e outros mimos pra deixá-lo bem lindo.

o maior dos três quartos vai ser o escritório. nele vai ter uma estante ocupando uma parede inteira, feita de tábuas e blocos de construção. cheia de livros, que finalmente vão parar de viver abarrotados, e de outras coisas também. vai ter um pôster lindo do deus e o diabo na terra do sol, e as duas mesas, bem espaçosas. muito material de escritório. tudo organizadíssimo. o quarto menor é de hóspedes. afinal, morando nessa cidade, vira e mexe aparece um. e é sempre bom ter uma cama extra pros momentos de crise, já diria minha avó.

o outro quarto é suíte. ele vai ter a cama baixa, duas mesinhas de cabeceira, um monte de velas. armário e espelho de corpo inteiro. vai ter um cabide bem grande atrás da porta pra pendurar as coisas. vai ter uma cortina branca, de algodão fino e esvoaçante, pra ajudar a aliviar o calor. ventilador de teto. talvez uma parede azul. e (claro!) aquelas estrelinhas, planetas e luas fosforescentes que a gente gruda no teto. e da janela do quarto - ah! - vai dar pra ver um pedacinho de mar.

quarta-feira, julho 04, 2007

A evolucao dos dialogos perigosos...

(ha algum tempo atras, quando eramos apenas amigos)
gato: sabe por que continuo solteiro? Porque eu fico com uma menina bebado, depois da balada, no dia seguinte olho pro lado e quero chutar ela da minha cama. Penso: O que essa pessoa esta fazendo babando no meu travesseiro? E isso se repete. Sempre assim.
malvina: Credo! Que ruim pra voce.

(no dia seguinte em que viramos amigos coloridos e era eu quem babava em seu travesseiro)
gato: nossa, que bom dormir de conchinha...
malvina: uai, voce nao vai me chutar da cama? ahaha...
gato: nao. Vira pra mim, quero ficar te olhando.
malvina: ...

(um mes de amizade colorida)
via msn:
malvina diz: vamos amanha la?
gato diz: sim!
malvina diz: mas voce nao tem aquele compromisso semanal sagrado?
gato diz: sim. Mas vou furar e vou com voce.
malvina diz: =)
gato diz: vamos dormir juntos depois?
malvina diz: dormir nao sei... preciso pegar o filho cedo. Mas voce pode ir pra minha casa, a gente fica la e depois vc vai pra sua...
gato diz: nao. Eu acordo as seis. Mas quero dormir com voce e acordar com voce.
malvina nao diz nada. Que perigo.